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Poetas Famosos

Poetas Famosos

Carlos Drumond de Andrade


As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo, 
Não precisas ser amante, 
e nem sempre sabes sê-lo. 
Eu te amo porque te amo. 
Amor é estado de graça 
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça, 
é semeado no vento, 
na cachoeira, no eclipse. 
Amor foge a dicionários 
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo 
bastante ou demais a mim. 
Porque amor não se troca, 
não se conjuga nem se ama. 
Porque amor é amor a nada, 
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte, 
e da morte vencedor, 
por mais que o matem (e matam) 
a cada instante de amor.

 

Ainda que mal 

 

Ainda que mal pergunte, 
ainda que mal respondas; 
ainda que mal te entenda, 
ainda que mal repitas; 
ainda que mal insita, 
ainda que mal desculpes; 
ainda que mal me exprima, 
ainda que mal me julgues; 
ainda que mal me mostre, 
ainda que mal me vejas; 
ainda que mal te encare, 
ainda que mal te furtes; 
ainda que mal te siga, 
ainda que mal te voltes; 
ainda que mal te ame, 
ainda que mal o saibas; 
ainda que mal te agarre, 
ainda que mal te mates; 
ainda assim te pergunto 
e me queimando em teu seio, 
me salvo e me dano: amor.


• Destruição

 

Os amantes se amam cruelmente 
e com se amarem tanto não se vêem. 
Um se beija no outro, refletido. 
Dois amantes que são? Dois inimigos.

 

Amantes são meninos estragados 
pelo mimo de amar: e não percebem 
quanto se pulverizam no enlaçar-se, 
e como o que era mundo volve a nada.

 

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma 
que os passeia de leve, assim a cobra 
se imprime na lembrança de seu trilho.

 

E eles quedam mordidos para sempre. 
deixaram de existir, mas o existido 
continua a doer eternamente


 

• O Amor Antigo

 

O amor antigo vive de si mesmo, 
não de cultivo alheio ou de presença. 
Nada exige, nem pede. Nada espera, 
mas do destino vão nega a sentença.

 

O amor antigo tem raízes fundas, 
feitas de sofrimento e de beleza. 
Por aquelas mergulha no infinito, 
e por estas suplanta a natureza.

 

Se em toda parte o tempo desmorona 
aquilo que foi grande e deslumbrante, 
o antigo amor, porém, nunca fenece 
e a cada dia surge mais amante.

 

Mais ardente, mas pobre de esperança. 
Mais triste? Não. Ele venceu a dor, 
e resplandece no seu canto obscuro, 
tanto mais velho quanto mais amor.



Manuel Bandeira


Tu Que Me Deste O Teu Cuidado...


Tu que me deste o teu carinho 
E que me deste o teu cuidado, 
Acolhe ao peito, como o ninho 
Acolhe ao pássaro cansado, 
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele arqueja 
Em aflitiva escuridão. 
Sê compassiva e benfazeja. 
Dá-lhe o melhor que ele deseja: 
Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva. Se algum dia 
Te vier do pobre agravo e mágoa, 
Atende à sua dor sombria: 
Perdoa o mal que desvaria 
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida. 
Pensa que nesse grito vem 
O mal de toda a sua vida: 
Ternura inquieta e malferida 
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado: 
Em te pungido algum espinho, 
Cinge-a ao teu peito angustiado. 
E sentirás o meu carinho. 
E sentirás o meu cuidado.